terça-feira, 12 de junho de 2018

Não querem nosso bem, mas os nossos bens

poe JOSÉ CARLOS RUY 
No sermão que pregou em Salvador, em 1640, na posse do Marques de Montalvão como vice-rei do Brasil (Sermão da Visitação de Nossa Senhora), padre Antônio Vieira usou palavras fortes, que continuam atuais mesmo tendo passado mais de três séculos e meio.
Vieira atacou os governantes enviados pelo rei de Portugal que “não vem cá buscar nosso bem, vêm cá buscar nossos bens”. E os comparou às nuvens que se formam sobre a Bahia mas vão chover em lugares distantes: “Pois, nuvem ingrata, nuvem injusta, se na Bahia tomaste essa água, se na Bahia te encheste, porque não choves também na Bahia?”
É como se o jesuíta baiano tivesse adivinhado a ação do imperialismo e de governos servis a ele; é como se tivesse pensado (e de fato pensou e, em 1665, escreveu uma história do futuro) no que aconteceria tanto tempo depois.
As palavras de Vieira continuam extremamente atuais, e próprias para descrever o servilismo e o entreguismo do governo golpista de Michel Temer, cujo caráter antinacional pode ser visto novamente na 4ª Rodada de Partilha da Produção do Pré-Sal, realizada no Rio de Janeiro nesta quinta feira (7).
O leilão foi um verdadeiro festival de entreguismo e favorecimento às empresas estrangeiras do petróleo, principalmente estadunidenses.
Foram leiloados três campos gigantes do pré-sal (um quarto campo, Itaimbezinho, não recebeu nenhuma oferta).
Quem recebeu a entrega do governo ilegítimo, intermediada pela Agência Nacional do Petroleo (ANP) foram, em proporções diferentes, as petroleiras estrangeiras Statoil (estatal norueguesa), ExxonMobil e Chevron (estadunidenses), Petrogal (portuguesa), BP (inglesa), Shell (anglo-holandesa). A Petrobrás exerceu seu direito legal e terá participação de 30% em dois dos campos leiloados; em outro, liderou o consórcio vencedor.
A mídia conservadora e o governo ilegítimo comemoraram o resultado do leilão, levantando uma discussão favorável ao valor arrecadado pelo governo (cerca de R$ 3,2 bilhões).
É uma discussão capciosa por várias razões. Uma delas se refere à questão dos valores envolvidos.
Depois da tomada do poder pelos golpistas e da mudança da lei que regulamenta o pré-sal (pelo PLS nº 131/2015, proposto pelo tucano José Serra, que alterou de maneira prejudicial à Petrobras e aos interesses nacionais a lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, conhecida como lei de partilha do pré-sal), com essa mudança prejudicial ao Brasil os novos inquilinos do poder em Brasília esmeraram-se em atender aos interesses da grande finança brasileira e estrangeira. E das petroleiras multinacionais, cobiçosas do pré-sal brasileiro.
Depois da descoberta do pré-sal, ainda nos governos democráticos e populares de Lula e Dilma, calculou-se que a gigantesca reserva teria 12 bilhões de barris de petróleo, cuja exploração seria o passaporte do Brasil para um futuro desenvolvido e de bem estar social, com base na aplicação dos recursos por ela proporcionados em benefício dos brasileiros. A riqueza inaudita de R$ 1,2 trilhões poderia significar este progresso libertador do país e dos brasileiros. Na situação criada após a aprovação da prejudicial lei do petróleo de Temer e da súcia que o rodeia, este volume de dinheiro caiu, calcula-se, para a metade, para R$ 650 bilhões. A outra parte, cerca de R$500 bilhões, é entregue às multinacionais do petróleo. O governo entreguista criou condições tão favoráveis para as petroleiras que o custo do barril de petróleo custará para elas apenas vinte e três centavos de real, acusa a Federação Única dos Petroleiros (FUP), com base em cálculos do Dieese. Não é nem o preço de um cafezinho!
Mas esta não é a questão principal, por relevante que seja.
A questão principal é o ultraje à soberania nacional, a entrega da riqueza brasileira que enfraquece a economia do país, entrava o crescimento, o emprego, o bem estar dos brasileiros.
O pré-sal, se gerido com o objetivo de fortalecer o crescimento da economia, poderia significar um enorme financiamento do desenvolvimento nacional autônomo, através de recursos próprios extraídos das entranhas da terra brasileira – neste caso, do fundo do oceano. Uma riqueza que é brasileira, sendo um crime de lesa pátria o retorno à situação colonial descrita por padre Vieira, em que estrangeiros vêm aqui buscar não nosso bem, mas nossos bens.
José Carlos Ruy é escritor e jornalista.
Os artigos publicados na seção “Opinião Classista” não refletem necessariamente a opinião da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e são de responsabilidade de cada autor.

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