Famílias agredidas foram despejadas em janeiro da Fazenda Esperantina,
de propriedade da siderúrgica Sidenorte Marabá
Leonardo Sakamoto*
Encapuzados, pistoleiros invadem acampamento com dez famílias de sem-terra e promovem barbárie no local: bebês e crianças foram vítimas de sessão de tortura por quase uma hora. Além disso, uma mulher grávida foi pisoteada.
Um grupo de homens armados atacou um acampamento com dez famílias de trabalhadores rurais no município de São João do Araguaia, próximo à Marabá, no Estado do Pará. Encapuzados, chegaram às margens do rio Araguaia, onde elas estavam acampadas, em duas caminhonetes com pistolas, revólveres e escopetas. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, adultos e até bebês foram vítimas de uma sessão de tortura por quase uma hora.
”Os adultos foram espancados a golpes de paus, facões e coronhadas. As marcas ficaram espalhadas pelos corpos dos trabalhadores. Os pistoleiros dispararam suas armas próximo do ouvido de duas crianças gêmeas de três meses de idade para aterrorizar sua mãe. Atiraram em redes com crianças dentro, além de derrubarem e pisotearem crianças no chão. Uma das mães que estava grávida, que também foi pisoteada e teve sangramento”, afirma nota da CPT, entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). No acampamento, havia crianças entre três meses e dez anos de idade.
A Polícia Civil de Marabá esteve no local no sábado (5) para dar início à investigação do caso.
Após as torturas, os pistoleiros colocaram fogo nos barracos nos trabalhadores rurais, queimando seus pertences e documentos pessoais. As famílias foram obrigadas a subirem nas caminhonetes para serem deixadas na rodovia Transamazônica, a 30 quilômetros de distância. Teria sido dada ordem para que as famílias fossem para o Tocantins e não voltassem mais.
De acordo com a CPT, esse grupo fora despejado em janeiro da fazenda Esperantina, de propriedade da siderúrgica Sidenorte. Sem ter para onde ir, decidiu acampar às margens do rio, a cerca de dez quilômetros da fazenda. Ainda não é possível apontar um responsável pelo ocorrido.
”Mesmo os despejos considerados legais não respeitam a vida e os direitos humanos das famílias, muitas delas com crianças novas e idosos. O que ocorreu mostra que, mesmo distante da área desocupada, elas ficam vulneráveis”, afirma José Batista Afonso, advogado e coordenador da Comissão Pastoral da Terra em Marabá. Ele afirma que isso tem sido discutido com o Ministério Público paraense e com a Vara Agrária. ”Outro fato recorrente é a formação de milícias para fazer despejos ou espancar trabalhadores a serviço de proprietários rurais. E não temos visto interesse da polícia para desmontar essas quadrilhas.”, afirma.
E parte dessas quadrilhas têm contado com presença dos próprios policiais. Por exemplo, na mesma região, o Massacre de Pau D’Arco deixou dez trabalhadores rurais mortos, em maio do ano passado, durante uma suposta reintegração de posse na fazenda Santa Lúcia. Onze policiais militares e dois policiais civis foram acusados do crime e a maioria deles está presa por ordem judicial.
Para Batista, a situação piorou na região nos últimos dois anos. ”É a retomada da pistolagem, agora não mais contratada individualmente para eliminar lideranças. O que vemos é a formação de milícias armadas no campo que não só cometem homicídios, mas também são encarregadas de praticar outras formas de violência, como torturar e expulsar”.
Segundo ele, a situação é mais comum entre os pequenos grupos de trabalhadores acampados. Quando o acampamento é maior, eles se protegem mais e ficam menos vulneráveis.
”Isso lembra a década de 80, quando se contratava batalhões de pistoleiros para fazer chacinas e expulsar camponeses”, lembra Batista. Mas, para ele, essa retomada tem sido feita a moldes mais modernos, com armas mais sofisticadas, que facilitam o ato de matar, e a participação mais frequente de policiais, que contam com treinamento especializado. Ao mesmo tempo, não é mais uma contratação de um único fazendeiro isoladamente, mas uma articulação da categoria em uma determinada região. De acordo com nota da CPT, nos últimos dois anos foram cinco ações em que pistoleiros foram usados para despejar e torturar trabalhadores rurais.
A violência no campo no governo Temer –O ano de 2017 foi o mais violento no campo desde 2003. De acordo com o levantamento anual da CPT, divulgado em abril, 70 assassinatos em conflitos foram registrados.
Altamira (PA), base para a construção da hidrelétrica de Belo Monte e de um sem-número de violações aos direitos de trabalhadores e povos do campo, apresentava 107 mortes para cada 100 mil habitantes segundo o Atlas da Violência 2017, do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A taxa no Rio, no ano passado, foi de 40 mortos para cada 100 mil habitantes.
De acordo com a CPT, os assassinatos de sem-terra, indígenas, quilombolas, posseiros, pescadores, assentados, entre outros, tiveram um crescimento brusco a partir de 2015. No ano passado, o Pará registrou 21 assassinatos – sendo que dez apenas no Massacre de Pau D’Arco. Rondônia, Bahia, Mato Grosso, Maranhão e Amazonas completam a lista dos seis estados mais mortais. Das 70 mortes, pelo menos 28 ocorreram em massacres.
*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo
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