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- Por Fábio de Salles Meirelles, Presidente da FAESP e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
Ao longo dos anos, nunca, em tempo algum, o real poder político, econômico e social da agropecuária brasileira foi devidamente reconhecido pelos poderes públicos, quer seja em âmbito federal, estadual ou municipal. Em decorrência dessa lamentável insensibilidade, o produtor e o trabalhador rural, nos últimos 100 anos, vêm lutando bravamente para se manter com dignidade nas suas atividades no campo, em meio às sucessivas crises, com políticas macroeconômicas inadequadas, planos de safra falhos, gerando falta de decisões e de celeridade na implantação de políticas agrícolas, o que têm afetado seriamente sua renda, desajustando a sua consolidação, com reflexos à economia nacional.
Neste contexto, é pertinente recordarmos algumas das principais crises atravessadas pelo Brasil, a começar pela de 1929, iniciada na grande nação americana, que assolou a economia do mundo e deixou de joelhos o nosso país. Surgia, então, um dos mais perversos efeitos: o êxodo rural, provocando sérios problemas sociais, estruturais e econômicos para os locais onde os “retirantes” se deslocavam. Naquele dificílimo período, no qual o país praticamente quebrou, os poucos produtores e trabalhadores que puderam se manter em suas atividades ficaram desamparados e a mercê de sua própria sorte, situação essa retratada na triste frase do então Presidente da Republica Washington Luís, “Salve-se quem puder”. Na iminência de enfrentar a crise fez-se ressurgir a figura do colonato como uma das formas encontradas para atrair e manter o trabalhador rural e sua família nas valiosas terras brasileiras. Mesmo sob críticas de setores representativos não conhecedores dos benefícios desse sistema de trabalho, este foi imprescindível para a sobrevivência das famílias que, guiadas por sua fé, persistiram acreditando em seu trabalho no campo. Nas décadas seguintes surgiram incentivos ao plantio, como aquele traduzido pela frase: “Plante que o governo garante”. Todavia, não davam garantias adequadas, seguras ou recursos de financiamento (valores irreais).
Nas décadas de 50 e 60 do século XX, as políticas adotadas de substituição de importações impulsionaram a industrialização do país e consequentemente acentuaram a crise do setor rural. Nessa época, os grandes fazendeiros, em detrimento de suas atividades agrícolas, passaram a investir na indústria. Destaque-se, então, o pesado ônus suportado pelo setor rural em fornecer capital, divisas e mão-de-obra, as mais qualificadas, para o desenvolvimento industrial. Vale lembrar, nesse contexto, que o então presidente Juscelino Kubitschek já acenava com a promessa de que faria para a agricultura, em seu próximo governo, o mesmo que fez com a indústria: “desenvolver 50 anos em 5”.
Passado um breve período de crescimento econômico do país, uma nova sucessão de crises solapou a economia brasileira. A inflação e a estagnação da economia marcaram a década de 80. O Estado brasileiro tornou-se insolvente, acarretando a conhecida moratória. A agropecuária não passou imune a esse período e, no final dos anos 80, intensificou-se o êxodo rural e a exclusão social.
Outro exemplo foi a enorme dificuldade enfrentada pela cotonicultura brasileira, fazendo-a quase desaparecer e, com ela, a força de uma indústria têxtil responsável por inúmeros postos de trabalho.
Nos anos seguintes, com o enfraquecimento generalizado da economia brasileira, sucederam-se planos econômicos para tentar recuperá-la. Mas, como muitos desses foram heterodoxos, tiveram efeito contrário alimentando crises com elevadíssimo custo social, até o início dos anos 90. Em relação a agropecuária, a década de 90 foi marcante, pois expôs o setor rural a novas e profundas transformações. Uma das principais foi o esvaziamento do modelo de intervenção (regulamentação) do Estado, caracterizado pelo controle e garantia de preços, manutenção de estoques reguladores e maior disponibilidade de crédito rural. Concomitantemente, a economia atravessou período de alta inflação, seguido pela estabilização econômica e intensificação do processo de abertura comercial. A partir desse novo panorama, foi imposto à agricultura um novo modelo de mercado, com intervenção mínima do Estado. Essa transição elevou os riscos dos produtores rurais, criou problemas e distorções ainda presentes no setor agropecuário, determinando ciclos alternados de expansão e retração. E mais. A alternância de um modelo de grande intervenção do Estado para um de livre mercado não foi acompanhada da necessária adequação de instrumentos, por falta de política agrícola permanente, real e consistente, agravando dolorosa e perversamente esse processo para muitos produtores rurais.
Desde então, incansavelmente, o setor produtivo pleiteia a implantação no país de uma política agrícola de médio e longo prazos, com fortalecimento das cadeias produtivas, como forma de amortecer os efeitos danosos das políticas macroeconômicas sobre o setor. Precisamos de um projeto que atenda às expectativas de expansão de áreas como agricultura energética, alem dos segmentos de grãos e pecuária, em consonância com o desenvolvimento sustentável. Essa é uma das principais necessidades para a agropecuária brasileira aumentar sua produção, tanto em volume quanta em qualidade, cumprindo seu compromisso com o abastecimento e a segurança alimentar, gerando divisas, emprego e renda para o país.
O crescimento do setor esbarra na sustentabilidade das propriedades rurais, de suas atividades e na falta de garantia de renda real dos produtores. Os instrumentos, os recursos alocados e suas liberações pelo governo não têm sido suficientes para atender, de forma criteriosa, as necessidades do setor, cujos preços ficam em patamares que não cobrem os custos de produção. Os juros elevados e a excessiva burocracia praticada, tanto por bancos públicos quanto privados, com garantias que vão desde a produção, maquinário, à hipoteca da terra, são fatores que também inibem o acesso ao crédito. O “spread” e as demais exigências bancárias no país são um verdadeiro abuso e visam garantir o lucro dos bancos, diminuindo os riscos das operações, com detrimento da expansão do setor produtivo rural, afetando a segurança das atividades agrícolas. Além disso, os produtores carecem de um seguro rural amplo e eficiente, capaz de assegurar renda. Por meio deste poder-se-á estancar os ciclos de endividamento e garantir renda aos produtores, mesmo diante de catástrofes climáticas.
É menos oneroso para o governo investir na proteção da renda dos produtores do que lhes socorrer nas constantes renegociações de dívidas. Não por acaso, inúmeros países produtores de alimentos contam com abrangentes instrumentos de política agrícola e, curiosamente, as nações desenvolvidas mantém a prática de uso de subsídios para garantir a competitividade de seus produtos e dos próprios produtores. Por essas razões e pelo fato de as atividades agropecuárias garantirem o abastecimento de mais de 190 milhões de brasileiros, além de exportar para todos os continentes os mais diversos produtos da alimentação básica e seus derivados, garantindo a essas populações qualidade e frequência no abastecimento, é imprescindível que se plante políticas agrícolas e instrumentos específicos que promovam a estabilidade da produção e da renda agrícola, assegurando o crescimento equitativo e sustentável das cadeias produtivas.
Relevante ainda citarmos os principais gargalos do setor agropecuário que estão assentados nas nossas deficiências da infraestrutura (transporte, armazenagem e logística) e nos altos custos de produção que também são majorados pela ineficiência da cadeia logística e tributária. Agravando ainda a situação do setor, têm-se o impacto da legislação ambiental que é inadequada ao meio rural, pois transfere todo ônus da defesa e conservação do meio ambiente aos proprietários rurais. Somam-se a isso, a necessidade de flexibilização da legislação trabalhista, adequando-a à realidade do campo, e as dificuldades do sistema tributário brasileiro que, além de sua complexidade operacional, impõe uma pesada carga fiscal aos produtores, onerando os investimentos e a produção.
Não bastasse a ausência de uma visão clara e realista do setor público para os legítimos pleitos da categoria, fomos mais uma vez surpreendidos por uma conjuntura adversa, novamente oriunda da grande nação americana e resultante, particularmente, da crise dos papéis podres, das operações especulativas e do crédito sem garantias adequadas. Muitas são as incertezas, mas a atual crise financeira global já desencadeou a redução da atividade econômica mundial; diminuição das exportações brasileiras; dos preços dos produtos agropecuários e a escassez de crédito para o custeio, o investimento e a comercialização da produção. Nessa esteira, enfatizamos a necessidade de que o governo federal recomponha o volume de recursos para o crédito rural, disponibilizando-os, em tempo e hora, com juros acessíveis, condizentes com a real necessidade dos produtores e com maiores facilidades de acesso. Outra medida importante, no curto prazo, é baratear o custo de produção e diminuir a dependência nacional das importações de insumos, que no caso de fertilizantes chega a 70%. Enquanto não houver expansão da produção interna, a partir de incentivos a eficiente exploração de nossas jazidas, o mercado interno de fertilizantes e demais insumos estará propenso às oscilações de preço do mercado internacional e às estratégias das empresas. Será preciso também atuar de forma cirúrgica em questões importantes para o crescimento das exportações brasileiras, tais como: melhorar os programas de defesa sanitária, garantir crédito aos segmentos exportadores, realizar acordos de equivalência e normatização sanitária, incentivo à agregação de valor e à diversificação da pauta de exportações.
Em que pesem todas essas carências do setor, graças ao bom Deus, criador de todas as coisas, mesmo diante dessas dificuldades, o homem do campo, vocacionado por natureza, continua em sua lida diária, plantando e colhendo para abastecer a população brasileira e exportando alimentos para o elevado número de nações com as quais mantém relações comerciais. Este é o momento, portanto, de reflexão, responsabilidade e de tomada de providências. É preciso os governos reconhecerem que a economia agrícola é fonte geradora de emprego e grande força auxiliar no combate da inflação. O agronegócio brasileiro é capacitado pela sua produtividade, qualidade e é onde estão as cadeias produtivas de todos os segmentos da indústria, comércio, serviços, máquinas, transporte, etc.. Todo um sistema se agrega na estrutura básica do produto primário. Não basta apenas acreditar nesse imenso potencial da agropecuária brasileira, corrigindo as distorções existentes, mas também é fundamental consolidar o crescimento das suas atividades agropecuárias, revertendo o contínuo ciclo do endividamento, investindo em assistência técnica, pesquisa e tecnologia, bem como na profissionalização, no resgate da cidadania e na fixação do homem no campo, evitando o êxodo rural e sua marginalização nos grandes centros urbanos.
Cabe lembrar, ainda, que a Congresso Constituinte de 1988 e seus membros ilustres criaram o novo SENAR, passando a sua execução à responsabilidade das Federações de Agricultura do País e seus Sindicatos. Nesse sentido, oportuno ressaltar que a missão de educar, capacitar e promover a inclusão social do homem do campo vem sendo cumprida de forma eficiente e eficaz ao longo dos últimos 15 anos, por meio do desenvolvimento de ações de Formação Profissional Rural e atividades de Promoção Social, pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR, contribuindo para o grande avanço da agropecuária no que concerne ao aprimoramento dos conhecimentos e condições de aplicabilidade nas atividades agrícolas das mais avançadas técnicas do setor. Em São Paulo, ao longo de sua história, o SENAR-AR/SP realizou 55 mil treinamentos de capacitação profissional, com quase 1,5 milhão de participantes devidamente certificados.
Apesar das afirmações realistas ora mencionadas, permanecemos confiantes de que o governo finalmente venha, de forma precisa, adotar as medidas necessárias já amplamente identificadas em documentos e pleiteadas pelo setor produtivo, reconhecendo a importância do setor agropecuário como o verdadeiro sustentáculo da economia nacional. E, mais uma vez, temos a certeza de que os anais históricos registrarão que coube à extraordinária força aplicada do homem do campo o avanço da agricultura brasileira, em que pese o sacrifício de milhões que já se foram e que lutaram, uma vida inteira, para manter as atividades agrícolas, deixando o país no caminho do desenvolvimento sustentável, graças à têmpera, à fé inabalável e às suas convicções.
Alertamos as autoridades públicas que a segurança nacional, os objetivos de nação e a tranquilidade da nossa gente dependem do estabelecimento imediato e definitivo de uma verdadeira e permanente política agrícola, lembrando que a população mundial atual já ultrapassa a casa dos seis bilhões de pessoas, o que nos leva a indagar: como abastecê-la daqui a dez anos? Todavia, continuamos acreditando em nossos governantes, no avanço de nosso desenvolvimento, especialmente nos homens do campo, agricultores e trabalhadores, que não esmorecem na defesa e resguardo do legado que Deus nos outorgou: as valorosas e produtivas Terras de Santa Cruz onde, como já afirmara Pero Vaz de Caminha “… em se plantando tudo dá”.
Fonte: editorajc.com.br
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