Pelo menos 313 deputados federais, ou 61% da
Câmara, têm atuação parlamentar desfavorável à agenda socioambiental. Eles
votam e elaboram projetos que têm impacto negativo para o meio ambiente,
povos indígenas e trabalhadores do campo.
Os dados são resultado de levantamento que levou
em conta 14 votações nominais e 131 projetos de lei nessa área. Para medir se
os projetos e proposições teriam impacto negativo ou positivo, oito
organizações do setor socioambiental foram chamadas para fazer uma avaliação
de mérito desses projetos. O cruzamento de dados faz parte do Ruralômetro,
ferramenta jornalística para consulta sobre os deputados federais produzida
pela Repórter Brasil.
Cada deputado foi pontuado dentro de uma escala
equivalente ao que seria a temperatura corporal: de 36⁰C a 42⁰C. Quanto pior avaliado, mais alta a sua
temperatura –
podendo atingir níveis
de febre.
Entre os febris, há ministros, ex-ministros, além
de pré-candidatos. Dos 313 deputados que tiveram comportamento legislativo
desfavorável à agenda socioambiental, quase a metade (49%) é da Frente
Parlamentar Agropecuária, a bancada ruralista. Mas nem todos os ruralistas
estão mal avaliados.
Há 35 membros da bancada com atuações parlamentares
avaliadas como favoráveis à agenda socioambiental. Entre eles, está o
deputado Augusto Carvalho (SD-DF), com 36,2°C. Ele é autor do Projeto de Lei
324/2007 que proíbe a administração pública de comprar móveis de madeira rara
ou extraída ilegalmente, projeto considerado como favorável pelas
organizações avaliadoras.
O deputado pior avaliado é o presidente da
bancada ruralista, Nilson Leitão (PSDB-MT), com febre de 42⁰C. Leitão é autor de oito projetos de lei desfavoráveis ao meio ambiente, povos indígenas
e trabalhadores rurais. Entre eles, está o polêmico projeto de lei 6442/2016,
que permite o pagamento de trabalhadores rurais com comida e moradia.
Ainda entre os febris, estão o ministro da
Secretaria de Governo, Carlos Marun (MDB-MS), com 40°C e o ministro dos
Esportes, Leonardo Picciani (MDB-RJ), com 40,2°C. O pré-candidato à
presidência Jair Bolsonaro (PSC-RJ) tem 38,7⁰C e o aspirante ao governo de São Paulo, Celso Russomanno (PRB-SP),
39,8⁰C.
As entidades consultadas foram o Instituto
Socioambiental, a Comissão Pastoral da Terra, a Confederação Nacional
dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG) e
dos Trabalhadores Assalariados Rurais (CONTAR), o Conselho Indigenista
Missionário, a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, o
Greenpeace e a Fundação Abrinq.
Entre os partidos, quatro têm 100% do quadro
febril: MDB, PEN, PHS, PSL. Eles são seguidos por PSD e DEM, com 94% e 89%
dos seus políticos com febre, respectivamente. O PSDB tem 75% dos seus deputados
federais com mais do que 37,4⁰C.Em alguns casos, a pontuação do partido pode ser explicada pelo
seu posicionamento como oposição ou situação ao governo. O PT, por exemplo, teve todos os
seus deputados avaliados com temperatura saudável nessa legislatura.
Entre os Estados, o maior percentual de deputados
febris está em Goiás, com 88% dos seus representantes com mais de 37,4⁰C. Seguido por Mato Grosso, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins, todos com 87% dos
deputados febris.
O ministro Carlos Marun informou, por meio de
nota, que como deputado pautou seus “votos pela garantia do Estado de
Direito” e que sempre defendeu o bioma Pantanal. O Ministério dos Esportes
afirmou que “parece que o levantamento comete um equívoco ao colocar no mesmo
patamar de análise deputados que estão no exercício do mandato, enquanto o
ministro [Picciani] licenciou-se em maio de 2016 para assumir o Ministério do
Esporte.”
Russomanno disse que “procura sempre representar
o interesse público, o que inclui defesa do meio ambiente, direitos
indígenas, quilombolas”. A assessoria de deputado Bolsonaro informou que ele
não responderia por estar em recesso.
A Repórter Brasil entrou em contato com os 13
deputados que têm febre acima de 41°. Nilson Leitão, assim como outros nove
deputados pior pontuados pelo Ruralômetro, não respondeu aos pedidos de
entrevista e nem às perguntas enviadas.
Relação com financiadores
Além da pontuação dos deputados, o Ruralômetro
mostra quem recebeu financiamento de campanha, em 2014, de empresas autuadas
pelo Ibama ou que foram flagrados com trabalho escravo. Segundo o
levantamento, 57% dos eleitos receberam, ao todo, R$ 58,9 milhões em doações
de empresas autuadas pelo Ibama por cometerem infrações ambientais. Outros
10% foram financiados com R$ 3,5 milhões doados por empresas autuadas por
trabalho escravo.
Para o professor de Ética e Filosofia da Unicamp,
Roberto Romano, o estudo revela uma estreita relação entre empresas
financiadoras de campanhas e a atuação parlamentar dos deputados. “Trata-se
do sucesso de setores interessados, tanto em termos econômicos quanto
sociais, em conseguir no Congresso avanços para o seu grupo”, analisa.
Um exemplo que ilustra a análise do pesquisador é
o caso do deputado Antônio Balhmann (PDT-CE), eleito em 2014 mas que se licenciou
no ano seguinte para assumir um cargo no governo do Ceará. O político recebeu
doação eleitoral oficial de R$ 20 mil da produtora de frutas Agrícola Famosa,
alvo de uma ação civil pública do Ministério Público Federal que proíbe a
empresa de pulverizar agrotóxicos na Chapada do Apodi. Poucos meses após
eleito, o deputado elaborou um projeto de lei que regulamenta o uso de
agrotóxicos em plantações não tradicionais, o que inclui produtoras de
frutas.
O ex-deputado afirmou, por meio de sua assessoria
de imprensa, que o projeto não estimula o uso de agrotóxicos, mas cria
legislação e regulamenta o setor. O político, no entanto, reconheceu que, ao
elaborar o PL, tinha interesse de “ajudar os produtores de fruticultura com
seus problemas e regulamentar e controlar suas atividades.”
“Quando analisamos os projetos de lei no
Congresso, vemos que não são projetos que pensam o Brasil, mas pelo menos 40%
deles são dedicados a defender interesses de setores específicos”, avalia
Andréa Freitas, cientista política e professora da Unicamp. “Não é ruim que
tenhamos dentro do Congresso alguém defendendo os ruralistas ou os
comerciantes, mas seria importante que tivéssemos representantes defendendo
com igual força os pequenos produtores ou os consumidores”.
Votações desde 2015
Nesta legislatura, 2017 foi o ano campeão em
votações desfavoráveis ao meio ambiente. Em meados do ano passado, a Câmara
dos Deputados aprovou três polêmicas medidas provisórias que geraram reação
de ambientalistas e até de celebridades. Duas delas reduzem a área protegida
de Jamanxim, um parque nacional na Amazônia paraense, e a outra amplia o
programa de regularização fundiária, que ficou conhecida como ‘MP da
Grilagem’. As medidas, segundo organizações de defesa do meio ambiente, devem
aumentar o desmatamento e os conflitos no campo.
Um detalhe: as três medidas provisórias foram
editadas pelo presidente Michel Temer às vésperas do Natal de 2016 e
aprovadas pela Câmara dentro do prazo previsto para que não perdessem
validade. No caso Jamanxim, a modelo Gisele Bündchen pediu no Twitter que
Temer vetasse as medidas. O presidente seguiu parcialmente os conselhos da
modelo: vetou artigos das MPs, mas enviou ao Congresso projeto de lei com
conteúdo similar.
“A agenda ruralista ganhou mais poder nos últimos
anos, o que coincide com a representação dela no Executivo. Antes, tínhamos o
Executivo exercendo uma contra-força”, analisa Adriana Ramos, coordenadora do
programa de política e direito socioambiental do ISA (Instituto
Socioambiental).
Na questão trabalhista, sob o mandato de Temer,
houve duas votações consideradas por organizações de defesa de trabalhadores
rurais como desfavoráveis: terceirização e reforma trabalhista. Porém, no
governo Dilma, o Executivo também editou medidas provisórias, depois aprovadas
pela Câmara, que retiram direito dos trabalhadores. Caso, por exemplo, da
restrição ao seguro-desemprego e da redução do acesso à pensão por morte do
INSS.
Essas são algumas das 14 votações que constam na
base de dados do Ruralômetro . O estudo considerou
apenas votações desta legislatura que têm algum tipo de impacto
socioambiental onde houve votação nominal, em que os deputados registram seu
voto.
Projetos de lei
Dos 131 projetos de lei cujos autores são
deputados eleitos em 2014 que constam na base de dados do Ruralômetro, 87
foram classificados como desfavoráveis e 44 como favoráveis. 26 deles alteram
o processo de demarcação de terras indígenas ou pedem a suspensão da
homologação de comunidades regularizadas. Outros seis considerados
desfavoráveis tratam de mudança nas regras de licenciamento ambiental e três
facilitam a liberação de agrotóxicos.
Há ainda um projeto defendido pela bancada
ruralista que libera o porte de arma para trabalhadores ou proprietários de
áreas rurais e uma Proposta de Emenda à Constituição que permite e regula
compra de terras por estrangeiros.
Segundo os analistas ouvidos, para entender o
fenômeno em questão é preciso diferenciar a agenda do agronegócio e do ruralismo
– entendido como um setor que se preocupa menos com a produtividade, e mais
com a propriedade sobre a terra.
“É uma forma antiga de se pensar o ambiente
rural, mais ligada à questão fundiária, à apropriação da terra”, afirma a
cientista política Andréa Freitas. Para ela, há uma relação direta entre ser
ruralista e atuar favoravelmente a projetos que flexibilizam a questão
ambiental. “Há pouca preocupação com a preservação da água, do solo”.
O coordenador de Direito de Propriedade da Frente
Parlamentar Agropecuária, Jerônimo Goergen, afirma que a principal bandeira
da bancada é “defender quem produz no Brasil”, mas reconhece que a questão da
propriedade sobre a terra é uma prioridade. “Das defesas da FPA, a questão
fundiária é sem dúvida uma prioridade. Mas como um direito, como uma
segurança jurídica”, comentou.
FONTE: Repórter Brasil
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