“Capitalização transformou
adultos de classe média em idosos pobres”
Economista chileno Andras Uthoff
diz que modelo pinochetista, que produziu massa de pobres no Chile, também não
dará certo no Brasil.
O economista chileno Andras
Uthoff conhece bem o projeto de Previdência que o governo
Bolsonaro quer para o Brasil. Professor da Faculdade de Economia e Negócios da
Universidade do Chile e conselheiro regional da Organização Social do Trabalho
(OIT), ele ajudou a tirar do papel a contrarreforma que, em 2008, tentou corrigir
o encolhimento das aposentadorias causado pelos problemas de privatização da
previdência chilena.
A reforma imposta em 1981 pelo ditador Augusto
Pinochet – com a ajuda de uma patota de economistas formados na Escola de
Chicago – acabou com a contribuição do estado e dos patrões, tanto na
Previdência quanto na saúde. Cada trabalhador passou a poupar individualmente
para a própria velhice, depositando cerca de 10% dos salário em contas
administradas por bancos privados.
Trinta e oito anos depois, o fracasso é provado
em números. Quando foi apresentada, a capitalização pinochetista prometia um
retorno de 70% do salário médio das contribuições. Mas hoje, a primeira leva de
aposentados recebe em torno de 35% de sua renda média
Mesmo após as mudanças da era Bachelet, quase
80% das aposentadorias pagas hoje no Chile estão abaixo do salário mínimo. E
45% dos pensionistas vive abaixo da linha da pobreza (com cerca de 600 reais).
A classe média foi a mais afetada, porque passou receber na velhice muito menos
do que recebera durante a vida laboral, mas não foi beneficiada pela
contrarreforma.
Outra promessa furada, diz Ulthoff, é que os
investimentos da Previdência privada impulsionariam a economia chilena. Do
fundo de 200 bilhões de dólares em recursos poupados pelos trabalhadores, quase
3/4 do PIB do país, cerca de 40% estão investidos no exterior.
Embora tenha sido apresentada como “alternativa”
aos novos ingressantes no mercado de trabalho, a proposta de Guedes levanta
campo para a privatização da Previdência. Se for aprovada como está, prevê o
economista, vai repetir os dramas chilenos. “O sistema privado caminhou todos
esses anos apenas com o aporte dos trabalhadores. Não deu certo lá e não vai
dar no Brasil”, diz.
Uthoff esteve em Brasília para participar de um
ciclo de debates sobre a Reforma brasileira e falou com exclusividade a CartaCapital sobre as diferenças entre
Brasil e Chile. Leia a entrevista abaixo:
CartaCapital:
Muitos economistas brasileiros acreditam que esta reforma, como está agora,
deixará uma massa de idosos ganhando menos que o mínimo. Como esse processo
aconteceu no Chile?
Andras Uthoff:
No Chile, em 1981, os empresários deixaram de contribuir para a pensão de seus
empregados, tanto na Previdência quanto na saúde. O sistema sobreviveu
exclusivamente do aporte dos empregados, com uma capitalização e má qualidade
de empregos. Não deu certo: 79% das pensões financiadas pelo sistema, mesmo
após os subsídios estatais, estão abaixo do salário mínimo chileno (cerca de
1810 reais). E 44% dos aposentados vive abaixo da linha da pobreza, ganhando
menos de 600 reais por mês. Isso não foi resolvido no Chile e não será
resolvido no Brasil com capitalização individual.
CC: Como reagiu a
opinião pública quando Pinochet impôs ou o modelo de capitalização dos anos 80?
AU: Como
estávamos em uma ditadura até os anos 90, ninguém podia opinar. Simplesmente
houve uma mudança de todo o modelo econômico para um projeto neoliberal. E o
mercado financeiro foi introduzido nas pensões e nos planos de saúde. O que
aquela reforma fez foi destruir a seguridade social, introduzindo o mercado na
jogada. Na Previdência, com a capitalização, e na Saúde, com os seguros
individuais, na Saúde. O problema é que ao fazer contratos individuais, você
deixou desamparada aqueles que não tiveram a capacidade de pagar uma entrada.
CC: Você pode
explicar como o processo de 2008 aconteceu no Chile para corrigir essas
distorções?
AU: A
reforma de 2008 criou a pensão básica solidária e a contribuição
previdenciária, pagas por um fundo público. O primeiro, para quem não conseguiu
poupar nada. E o segundo para quem economizou, mas não o suficiente para se
manter na velhice. Mas só recebem aqueles cuja renda familiar ficam entre os
60% mais pobres. Portanto, não é universal. A solução de 2008 melhora a
cobertura, mas não muda efetivamente as aposentadorias.
CC: Você também
diz que a classe média foi a mais prejudicada pela reforma chilena. Por quê?
AU:Sim, a
classe média é a mais afetada porque é assalariada e sua renda previdenciária
cai substancialmente. Quando a reforma foi implantada, prometia-se uma
aposentadoria de 70% da média do salários que a pessoa recebera durante a vida
ativa. Hoje em dia, as taxas de reposição são em média de 35%. Quer
dizer que a renda dessas pessoas diminuiu 65%, é uma mudança muito grande. Você
vive a vida de trabalhador como classe média. Ao sair dela, se torna
pobre.
CC: Em outras
entrevistas, você disse que não era a favor do retorno de um sistema totalmente
público. Qual seria o seu modelo de ideal de Previdência?
AU: Os
modelos ideais não existem. Cada país deve construir o seu, de acordo com as
limitações impostas pelas restrições e desigualdades orçamentárias, a fim de
cumprir o marco regulatório da seguridade social. Existe consenso de que os
sistemas devem ser de múltiplos pilares e não apenas de capitalização
individual. A OIT propõe a construção da escada de segurança com um piso
universal não-contributivo, um pilar coletivo de solidariedade e um suplemento
de capitalização individual obrigatório ou voluntário.
O atual sistema brasileiro já tem esse design.
Precisa ser melhorado, é verdade. Mas não substituído.
Fonte - https://urbsmagna.com
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