domingo, 29 de setembro de 2019

Promessas e realidade da reforma trabalhista no Brasil


 

Por Marilane Oliveira Teixeira*


Aproveito a oportunidade deste espaço para divulgar o release contendo a síntese da publicação, da qual fiz parte, em que analisa os impactos da reforma trabalhista pós um ano e meio de sua aprovação.

Há quase 2 anos, em novembro de 2017, entrou em vigor a chamada reforma trabalhista (Lei 13.467), que alterou centenas de disposições da legislação do trabalho no Brasil, particularmente da CLT.

A reforma foi aprovada com base em algumas promessas declaradas, dentre as quais se destacam a criação de milhões de postos de trabalho e o aumento da formalização do emprego . Todavia, passados 22 meses de sua adoção, a reforma nem de longe alcançou os objetivos que a justificaram.

O desemprego se mantém sem alterações relevantes desde novembro de 2017. Considerando os efeitos da sazonalidade, tem ocorrido leve redução do desemprego aberto , contudo, cresce o desemprego total . Ademais, o surgimento da quase totalidade das ocupações após a reforma não pode ser atribuído à nova lei, dentre outras razões, por serem majoritariamente informais e ou ilegais.

Para analisar esses resultados e os efetivos impactos da reforma, a Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (REMIR) está lançando o livro “Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade” (Campinas, SP: Curt Nimuendajú, 2019 – versão digital gratuita). Trata-se da primeira publicação da REMIR, constituída por professores e pesquisadores de instituições brasileiras que se debruçam sobre a temática.

O livro é composto de 7 capítulos, todos eles fundamentados em extensas pesquisas empíricas. Aqui constam brevemente algumas das conclusões das investigações.

Dentre os principais impactos da reforma, ela parece estar contribuindo para a redução dos custos trabalhistas. Contudo, ao fazer isso, ela ajuda a restringir o consumo, desestimulando investimentos, portanto, a criação dos prometidos empregos. Mesmo o pequeno saldo de empregos formais registrados após sua adoção (inferior a qualquer outro período anterior em que a economia não esteve em recessão) não pode ser atribuído à reforma, pois:

1) O setor específico (pelo CNAE) em que isoladamente mais cresceu o emprego após a reforma (40 mil até maio de 2019), o transporte rodoviário de carga, foi fortemente afetado por uma alteração na regulação do trabalho que, acidentalmente, se opõe à reforma. Com a greve dos caminhoneiros, foi estabelecido um preço mínimo do frete para os supostos autônomos. Isso, na prática, instituiu um salário mínimo para a contratação desses trabalhadores, elevando o preço de contratação e incitando a substituição de tal modalidade de contratação (queda de mais de 50 mil um ano após a reforma, segundo a PNAD) por empregados formais. Ou seja, como que por ironia, uma medida protetiva, oposta à reforma (mesmo que não deliberadamente), foi responsável pelo principal destaque na ampliação de vagas formais.

2) O grande setor de saúde e serviços sociais (2º posição entre as seções do CNAE) é pesadamente influenciado por empregos no serviço público, particularmente concursos e organizações sociais. Exemplos de contratações de profissionais da saúde e outros serviços sociais com CTPS, por estados e prefeituras, abundam na internet. Essa expansão nas contratações com CLT no serviço público, por óbvio, não tem nada a ver com a reforma, e, pelo contrário, é muitas vezes influenciada pela atuação das instituições de regulação do direito do trabalho contra formas fraudulentas de contratação.

3) O saldo do grande setor de atividades imobiliárias, aluguéis e serviços prestados às empresas (1º lugar entre as seções) parece fundamentalmente vinculado à terceirização de ocupações nas chamadas atividades meio, que já era legalizada antes da reforma. Esse grande setor é marcado pela presença de atividades tipicamente terceirizadas, como serviços de escritório, de apoio administrativo, limpeza em prédios e domicílios, serviços para edifícios. As funções mais contratadas pelo grande setor, como faxineiro, auxiliar de escritório, assistente administrativo, recepcionista, porteiro de edifício, vigia, manutenção de edifício, vigilante, auxiliar de conservação de via, de manutenção predial, auxiliar de pessoal, representam 29% do saldo de todo o emprego formal após a reforma.

Além disso, a informalidade cresceu desde a implementação da reforma. A formalização por meio de novas modalidades de contratação (como o trabalho intermitente e o trabalho por tempo parcial) não adquiriu os volumes propalados pelos defensores da Reforma. Na verdade, a reforma parece estar contribuindo para a redução da formalidade ao incentivar a substituição de empregos formais por informais e ilegais. Por exemplo, enquanto cai o número de empregados formais como motoristas, cabelereiros, manicures, trabalhadores rurais, cresce o número de pessoas nessas mesmas funções como empregados sem carteira ou considerados autônomos. A reforma legitima esse processo, colaborando para a cristalização de uma dinâmica que já estava acontecendo desde 2015. Isso ocorre, dentre outras razões, porque a reforma impôs uma brutal restrição do acesso dos trabalhadores à justiça e enfraqueceu os sindicatos, reduzindo as chances de combate à informalidade.

Além do aumento da informalidade, a reforma parece estar contribuindo para a precarização do trabalho em outros aspectos. A remuneração dos trabalhadores tem apresentado tendência de queda, tanto dos salários médios, quanto de entrada. Isso não parece coincidência, já que os reajustes salariais previstos nas negociações coletivas têm sido cada vez piores e a maioria tem ficado abaixo da inflação.

Quanto ao tempo de trabalho, ocorreu uma interrupção da tendência de redução da jornada média que vinha desde os anos 2000. Enquanto isso, tem ocorrido uma expressiva polarização das jornadas, com incremento da faixa de trabalhadores que laboram mais de 49 horas por semana e daqueles com menos de 14 horas. Ou seja, tem mais gente trabalhando em excesso, e mais gente trabalhando menos do que gostaria.

Uma parte da queda dos rendimentos do trabalho e da polarização das jornadas tem relação com a ampliação dos trabalhadores contratados por “aplicativos” (forma de contratação legitimada pela reforma com a mudança do conceito de trabalho “autônomo”), que comumente recebem menos de um salário mínimo por mês mesmo trabalhando mais de 8 horas por dia.

Como dito, a reforma produziu um impacto profundo na restrição do acesso à justiça pelos trabalhadores, e, por conseguinte, uma redução da já combalida efetividade dos direitos previstos. Por exemplo, informalidade, acidentes e sonegação do FGTS crescem após a reforma, mas o número de processos sobre tais temas cai. Ou seja, direitos remanescentes se enfraqueceram, ao passo que a ilegalidade cresceu, contradizendo patentemente o argumento de que havia anteriormente um uso espúrio dos processos.

É também interessante pontuar que, a despeito do discurso de valorização dos atores coletivos, após a reforma caiu o número de instrumentos coletivos assinados. Ainda mais relevante é o fato de que caíram mais os acordos (por empresa) do que as convenções (por setor), contraindo o objetivo declarado de promover a descentralização das negociações.

Os defensores da reforma argumentam que ela não alcançou seus principais objetivos declarados por conta da crise econômica e ou porque ainda está em vigor há pouco tempo. Contudo, a reforma foi adotada justamente para resolver crise. Em outras palavras, não faz sentido dizer que o remédio (a reforma) é ineficiente porque foi vítima da doença (a crise) que deveria curar. Quanto ao tempo em vigor, para os efeitos que poderia produzir, a reforma foi rapidamente efetiva, como no caso da queda do número de processos judiciais. Ademais, o fato de emprego estar no fundo do poço era um grande facilitador para uma rápida recuperação, como ocorreu em outros momentos de crise no Brasil. O que o argumento da “falta de tempo” busca é impossibilitar o contraditório, pois se passaram quase 2 anos desde a entrada em vigor da reforma, mas mesmo que fossem 10, poder-se-ia continuar afirmando que ainda não seria tempo suficiente.

É preciso estimular um debate racional sobre a regulação do trabalho. Esse é o objetivo mais geral do livro, especialmente em um contexto em que há projetos de aprofundamento da reforma trabalhista.


(1) https://g1.globo.com/economia/noticia/nova-lei-trabalhista-vai-gerar-mais-de-6-milhoes-de-empregos-diz-meirelles.ghtml
(2) Voto do relator do parecer da reforma, disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1544961
(3) O desemprego aberto (na PNAD, desocupação), é o conceito mais restrito, que considera desocupado apenas quem procurou emprego e não teve qualquer rendimento do trabalho no período da pesquisa.
(4) O desemprego total (na PNAD, subutilização da força de trabalho) é a soma do desemprego aberto, das pessoas subocupadas (trabalham menos do que gostariam) e da força de trabalho potencial (pessoas que gostariam de trabalhar, mas não puderam ou desistiram de procurar no período da pesquisa).


*Marilane Oliveira Teixeira, economista, doutora em desenvolvimento econômico e social, pesquisadora e assessora sindical.

Fonte: Rádio Peão Brasil
C/ Portal Vermelho

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