FOTO: César Ramos
Perder tudo em um piscar de olhos, ver seus sonhos sendo enterramos em um rio de lama e não ter condições de recomeçar: esse é um breve resumo da situação dos agricultores e agricultoras familiares da região atingida pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG.
Após um ano do crime cometido pela Vale, quem produzia alimentos, comercializava a produção e vivia com qualidade de vida e boa renda, agora depende de um auxílio no valor de um salário mínimo para sobreviver e sem ter condições de recomeçar, de arcar com os compromissos e, tampouco, liquidar financiamento do crédito rural contraído para investir na produção agrícola.
O agricultor familiar Israel Nunes Barbosa, que teve a sua propriedade devastada pela lama tóxica, se encaixa nessa situação. “No dia 25, por volta de 12h30, 13h00, escutamos um barulho muito forte de pau quebrando, poeira levantando, foi aí que a gente percebeu que a lama já estava invadindo a nossa horta e a gente teve que sair correndo, todo mundo saiu gritando e, graças a Deus, a nossa família conseguiu se salvar. Mas, fomos afetados por esse crime da Vale, como todos os agricultores da região, pois dependemos da nossa terra para trabalhar e sobreviver. Não sabemos fazer outra coisa a não ser trabalhar na roça, na terra”.
Por conta da perda de toda a produção agrícola, Israel e a família estão endividados, pois não conseguem liquidar o financiamento do crédito do Pronaf. “Nós contraímos o crédito rural junto ao banco para investir na produção e, hoje, nos encontramos nessa situação: perdemos tudo, não temos condições de estar arcando com os nossos compromissos, bem como as demais famílias que também acessaram o Pronaf, temos contas para pagar e não temos condições para trabalhar. Onde a lama não invadiu, também perdemos tudo, pois não tem água e as bombas para irrigação ficaram debaixo da lama”, relata o agricultor, que completa: “Os nossos sonhos ficaram enterrados nessa lama.”
Israel Nunes Barbosa - agricultor familiar em Brumadinho. Foto: César Ramos
E essa não é a realidade apenas da família do seu Israel. Soraia Campos, agricultora familiar de Brumadinho, que também teve a sua propriedade destruída pela lama, representa um grupo de 23 famílias de agricultores(as) que foram atingidas diretamente. “Hoje, nenhuma das 23 famílias dessa área voltou a produzir e não tem ainda onde produzir”, destaca.
Segundo Soraia, a maioria dos agricultores está negociando um acordo individual com a Vale. “Um acordo que não é bom para nós agricultores, mas é o que vai resolver o nosso problema de imediato, pois estávamos esperando o reassentamento das famílias e a empresa deveria nos reassentar em um lugar bom, igual ao que a gente tinha, com bom acesso, uma infraestrutura formada, com condições para a gente voltar a produzir. Só que é demorado e para nós agricultores, que estamos há mais de um ano parados, não temos como esperar mais. Alguns já finalizaram o acordo e outros não”, explicou.
Antes e depois da propriedade da agricultora familiar Soraia Campos. Fotos: Arquivo Pessoal
Sobre a possibilidade de os agricultores e agricultoras familiares retomarem a produção de alimentos na região, a agricultora disse é praticamente impossível. “Não conseguimos ver a possibilidade de voltar a produzir em Brumadinho. A nossa área está toda afetada, tanto água quanto terra, e o nosso rio também está contaminado. Quem ainda produz, que tem uma lagoa ou um poço artesiano para irrigação, enfrenta uma briga com a sociedade, pois ninguém quer comprar e comer um produto vindo de Brumadinho com medo da contaminação das águas. E é triste falar sobre isso, pois nós fazíamos a diferença na região, principalmente no Mercado Central, em Belo Horizonte, fazíamos entrega, nossas verduras eram lindas, de qualidade.”
E sobre o que pretende fazer, Soraia disse que o cenário é de incerteza. “Eu criei meus filhos com o trabalho na agricultura, a minha família toda é de agricultores. E, hoje, estamos dependendo de um salário da Vale, da água da Vale, do acordo da Vale... a nossa vida se resume a isso. Agricultura aqui não temos mais. Para a minha família e a de outros agricultores atingidos, para vivermos da agricultura, teremos que sair de Brumadinho. Mas não sabemos o que fazer ainda. Essa é a nossa realidade: sem expectativa de vida, muita dívida e só Deus para saber o que vai ser de agora pra frente. A nossa maior força para continuar a luta é que não perdemos ninguém, nenhum agricultor perdeu a vida ou perdeu alguém da sua família. Bem material a gente vai conseguir de volta, não sei quando. Não sei quando vamos conseguir recomeçar, mas não sei como será a vida de quem perdeu seus entes queridos, que deve ser a pior dor do mundo.”
Foto: César Ramos
O coordenador estadual de Juventude da FETAEMG, Bruno Freitas, agricultor familiar em Sarzedo, município vizinho a Brumadinho, disse que a Federação faz o acompanhamento das famílias e confirma todos os problemas vividos pelos agricultores e agricultoras familiares da região. Bruno destaca também a preocupação da Federação, do Sindicato local e da população de Sarzedo com a possibilidade de retomada da mineração pela Vale na região, com grandes chances de transferir para Sarzedo as atividades da empresa. “A população de Sarzedo é contra e teme por mais uma tragédia”, ressalta.
O dirigente mostra-se bastante preocupado com outro dado alarmante divulgado nos últimos dias. Além de causar a morte trágica de 270 pessoas, onde 11 ainda encontram-se desaparecidas, o crime da Vale trouxe sequelas irreversíveis, principalmente emocionais, na vida das pessoas. Dados da Secretaria Municipal da Saúde divulgados em reportagem da Carta Capital mostraram que, no primeiro semestre de 2019, foram registradas 39 tentativas de suicídio na cidade – uma alta de 23% em relação ao mesmo período de 2018. Em relação aos antidepressivos, o uso aumentou aproximadamente 60% de um ano para o outro. Para os ansiolíticos, a porcentagem chega a 80%. Além disso, moradores da cidade apresentam estresse com o constante barulho das máquinas e helicópteros que atuam nas áreas atingidas pela lama. A necessidade de sair dos antigos lares, que foram destruídos ou afetados na estrutura, foi um fator extra na abrupta mudança de vida de quem sobreviveu. “Era uma região para descansar e a rotina mudou drasticamente, com o excesso de tráfego de carros e helicópteros, bem como com a situação de perda de familiares, de amigos, de bens e com as dívidas que ficaram com a tragédia”, lamenta.
Bruno Freitas - coordenador estadual de Juventude da FETAEMG. Foto: Arquivo FETAEMG
Foto: Arquivo FETAEMG
Fonte: Assessoria de Comunicação da CONTAG - Verônica Tozzi
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